2.9.14

Capítulo Dezesseis






JOE OBSERVAVA o rosto de Gary em busca de alguma pista sobre o que o agente pensava, obcecado de um jeito que não ficava desde seu primeiro livro. Deus. O que ele estava pensando ao tentar escrever aquele tipo de porcaria? Ele era mais esperto que isso. No entanto, depois de conversar com Demi, de escutá-la, ele teve esse sentimento insano de esperança.
Aquilo provavelmente iria arruiná-lo.
– Bem? – perguntou ele, incapaz de suportar mais um minuto.
– Calma – instruiu o agente. O sujeito mais velho apontou para o frigobar no canto do escritório, sem tirar os olhos dos originais.
– Está cru ainda – explicou Joe. – Não editei nem nada. Pensei em pedir sua opinião antes de ir longe demais com isso.
Ele tinha ficado muito desesperado para escrever quando desligara o telefone com Demi. O desespero viera do fato de ser inspirado por ela, diferentemente da frustração que ele normalmente sentia quando conversava com a mãe. Ele ficara surpreso quando terminara de redigir a cena. Aquilo, amigo, era emoção. Pelo menos o mais perto que ele já havia chegado dela. Talvez ele pudesse fazer aquilo? Conciliar tudo? Fazer seu editor feliz, acalmar os fãs e ainda manter Demi por perto, então que se danassem as apostas. Era um pouco assustador perceber o quanto aquela ideia o atraía.
Quando Gary nem sequer o reconhecia. Joe se levantou e caminhou até o frigobar. Vasculhou seu conteúdo e então bateu a porta. Abriu o armário de guloseimas disfarçado de gaveta de arquivo e fuçou até encontrar uma barra de chocolate. Mas ele estava empolgado demais para comer. Jogou a barra de doce no armário e começou a passear pela sala.
– Cara, qual é o seu problema? – perguntou Gary finalmente, quando jogou as páginas impressas sobre a mesa. – Você está mais nervoso que uma virgem na noite de núpcias.
Joe fez uma careta.
– Alerta vermelho do clichê.
– Certo, e é por isso que eu não sou o escritor aqui. – Gary cutucou a pilha de papéis com um dedo carnudo e ergueu uma sobrancelha grisalha espessa. – Quer conversar a respeito?
– Não. Só quero saber o que você acha.
Gary se recostou na cadeira e olhou para Joe por cima das mãos unidas, como se estivesse rezando. Era sua pose típica de reflexão.
– Eu acho...
Joe queria bater na cabeça do sujeito com o mata-borrão. Mas ele sabia, por experiência própria, que não seria bom, então simplesmente resmungou.
– Acho que você está no caminho certo – disse Gary finalmente.
– É isso? No caminho certo? Eu escrevi… – Joe cutucou os originais e fez uma careta. – Coloquei emoção aqui. Isso é mais do que o caminho certo.
– Não, Joe. Você escreveu uma das cenas de amor mais quentes que já li aqui. E, devo dizer, provavelmente a primeira cena já escrita por você que pode ser de fato chamada de cena de amor, em vez de cena de sexo. – Gary balançou a cabeça e deu de ombros. – É ótimo. É mais profunda que tudo que você já fez, é forte. Você criou uma ponte até aquela distância típica que costumava manter nas cenas de intimidade, o que leva sua escrita a um nível totalmente novo.
– Mas...?
– Mas é uma cena. A emoção, a promessa de emoção, não aparece no restante do livro. Ainda não. Coloque emoção aí e estamos no páreo.
Joe então se sentiu tão confiante em seu sucesso em colocar emoção ali quanto teria sentido se Gary tivesse pedido a ele para fazer o parto de uma ninhada de cães raivosos.
Fascinado pelo movimento da luz da vela brincando sobre o rosto dela num brilho dourado, Joe observava Demi rindo do outro lado da mesa. Um tipo estranho de alegria o preencheu ao constatar a satisfação dela. Era tão diferente das mulheres que ele conhecera. Honesta, sem joguinhos, você levava o que comprava. Era estimulante e sedutor. Talvez ele fosse ter mais facilidade para tecer emoções, pelo menos as superficiais, em sua história do que tinha pensado.
– Você tem fãs que o perseguem, como os artistas de cinema? – perguntou ela. Estavam falando sobre uma convidada do Wake Up California que tinha o hábito de perseguir seus astros de TV favoritos até conseguir o autógrafo deles.
– Perseguindo? – refletiu Joe. – Não. Tive alguns que mandavam e-mails regularmente, esse tipo de coisa. Uma vez, em uma convenção literária, uma mulher ficou esperando na porta do hotel. Mas ela só queria que eu lesse seus originais.
Demi lançou um olhar demorado e contemplativo, então balançou a cabeça.
– Não, não acredito que isso tenha sido tudo. Deve ter sido um pretexto, mas aposto que ela queria mais do que sua opinião.
Queria mesmo, mas Joe não era do tipo que se gabava, então simplesmente deu de ombros.
Ele meneou a cabeça em direção à pista de dança, onde casais estavam agarradinhos à meia-luz.
– Quer dançar? – perguntou ele.
O olhar de Demi varreu os casais e a banda, e então se voltou para ele.
– Nunca terminamos aquela última dança, não é? Acho que lhe devo uma.
– Não sei se me deve uma, mas eu adoraria ter você em meus braços. E, já que você pareceu de fato querer sobremesa, esse é o único jeito de isso acontecer nos próximos minutos.
Demi sorriu e piscou quando colocou seu guardanapo sobre a toalha branca, ao lado do prato.
– O melhor dos mundos. Boa comida, chocolate clássico e você.
Joe se levantou e estendeu a mão. Quando ela se ergueu, ele deu um passo adiante, ínfimo, de modo que ela roçou no peito dele quando se pôs de pé. Ele lhe ofereceu um sorriso malicioso bem lento, para informá-la de que tinha sido um gesto proposital.
– Esse não é um daqueles gestos de cortejo pré-sexo? – perguntou ela, em tom de improviso. Ele sabia que Demi havia sido afetada, no entanto, por causa do subir e descer daqueles seios deliciosos.
– É? Isso significa que vai ter sexo se eu fizer direitinho? – Com a mão de Demi na sua, Joe a guiou para a pista de dança.
Ela riu quando se posicionou nos braços de Joe. Ele quase gemeu quando percebeu o quanto Demi se encaixava perfeitamente. Aquilo era insano. Ela, o livro, Gary, toda a emoção exigida. E Joe, desejando se render a ela. Insano.
– Eu quis dizer que é o tipo de coisa que, se você crê que a luxúria leva a relacionamentos, cairiam no esquecimento depois do primeiro encontro sexual. Não acha?
– Acho que fico excitado quando você fala deste jeito todo intelectual.
– Ahhh, então a luxúria ainda está guiando este relacionamento – brincou ela. Algo lampejou nos olhos dela, no entanto, derrubando o sorriso de Joe.
– Você fala como se fosse uma coisa ruim – protestou ele, verdadeiramente confuso. – Por quê? Pensei que você tivesse problemas apenas com meus livros. Mas agora que nos conhecemos vejo que não é isso. Você realmente é tão contra a luxúria assim?
– Você é realmente tão contra as emoções assim?
– Emoções inevitavelmente levam à dor – observou ele.
– Essa opinião é baseada em experiência pessoal? – perguntou ela suavemente, a mão acariciando o ombro dele de forma reconfortante, num gesto que ele interpretara como provavelmente inconsciente.
Proposital ou não, aquilo o fez sentir-se bem. Seguro era a palavra que lhe vinha à mente, por mais bobo que soasse. Ele tentou afastar aquele sentimento estranho.
– É claro que não – mentiu ele. – Eu lhe disse. Não lido com emoções.
– Nunca? – O olhar que ela lhe lançou o perfurou até a alma, tornando impossível mentir mais.
Joe bufou e meneou um ombro.
– Digamos que não lido mais.
Demi parecia querer perguntar o motivo. Joe enrijeceu, sem desejar entrar em detalhes, mas sem ter certeza se iria responder a qualquer pergunta que ela fizesse.
Porém, Demi apenas comprimiu os lábios e assentiu, então aconchegou a cabeça no peito dele quando a música os inundou.
Que bom. Assunto encerrado, com cutucadas mínimas na psique ferida dele. Abraçando a cintura dela com mais intensidade, Joe continuava a franzir a testa. Por que ela não insistira no assunto? Porque estava perfeitamente satisfeita com o sexo, sexo incrível, e não se importava o suficiente com ele como pessoa para querer saber mais? Ele iria ignorar o fato de ela ter colocado aquele sexo incrível em espera. Seu frágil ego masculino proclamava que aquela era uma manobra para vencer a aposta.
Ou ela não o estava pressionando porque, apesar de ele se sentir mais íntimo dela do que qualquer mulher que conhecera, ela achava que ele tinha a profundidade emocional de uma poça de lama.
Joe revirou os olhos. Droga, fora só abrir a porta para as emoções e ele estava péssimo, se preocupando como um adolescente no auge dramático de sua primeira paixão. Estúpido, inútil e, considerando a mulher sensual se movimentando tão sedutoramente em seus braços, completamente louco.
Assim, em vez disso, ele começou a se concentrar na sensação de ter Demi nos braços, enquanto seu corpo esguio se moldava de encontro ao dele. Os dedos dele alisaram o tecido diáfano do vestido dela bem no ponto onde o caimento formava uma cachoeira plissada sobre os quadris. Ele ergueu a mão dela, a qual estava segurando, e levou à boca, dando uma série de beijos delicados nos nós dos dedos. Quando ela recuou para lhe oferecer um sorriso, ele deslizou a língua por entre os dedos. Demi arfou, os olhos se arregalando, e então se anuviando. O desejo naquelas profundezas castanhas enviou o desejo dele a outro patamar.
Joe os conduziu até a beirada da pista de dança, onde as luzes estavam mais fracas, apertando Demi contra si com uma das mãos. A música mudou, ficando mais sombria, mais triste.
Ainda segurando a mão dela junto à boca, Joe sugou um dedo, brincando com a língua em seu comprimento. Ao mesmo tempo, afrouxou um pouco o contato com ela, para deixar um espaço bem pequeno entre os corpos. Enquanto se movimentavam, eles se roçavam em contraponto um contra o outro. Quando os mamilos de Demi, rijos e afiados, deslizaram sobre o peito dele, Joe teve vontade de gemer. Sim, ela estava tão excitada quanto ele.
Remexendo-se só um pouco, ele deslizou a perna por entre as dela e agradeceu por ela ser tão alta. Incapaz de evitar, ele pôs a mão dela em seu ombro, então levou ambas as mãos aos quadris de Demi. Ele enterrou o rosto nos cachos de Demi, aninhando o nariz no cabelo até chegar à lateral do pescoço e na orelha. O perfume dela, um tempero sutil, preencheu os sentidos de Joe quando ele beijou a pele sedosa.

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