20.9.14

Capítulo Vinte e Oito - Maratona (2/3)







– EU LHE disse. Eu não lhe disse que ele iria surtar quando visse meu “eu” de verdade? – esbravejava Demi, enquanto andava pelo escritório de Miley às 8h da manhã seguinte.
Ela não conseguiu esperar até a hora do almoço para encontrar a amiga, e aquela certamente não era uma conversa para ser travada por telefone. Não, uma queixa daquele nível requeria que fosse pessoalmente, cara a cara.
Então ela limpou as lágrimas, se dando o trabalho apenas de passar rímel e colocar o cabelo para trás com uma faixa de couro. A calça jeans era pura provocação, pois ela sabia que iria para o escritório do pai.
– Talvez tenha sido outra coisa – disse Miley, mordiscando o polegar. A pobre loura estava tentando comer um pãozinho, quando Demi irrompeu pela sala. Mastigar as unhas era um substituto nutricional um tanto pobre. – Talvez ele estivesse nervoso porque você estava fazendo anotações sobre o trabalho dele. Talvez ele tivesse achado que você simplesmente, sabe, leria e lhe faria afagos na cabeça ou coisa assim.
– Talvez ele tenha ficado sem palavras ao ver minha calça larga, meu suéter e minha cara oleosa.
O revirar de olhos de Miley obrigou Demi a desacelerar, a esquecer a dor e pensar.
– Talvez seja porque minhas resenhas estão vencendo, por isso ele está bravo. Quero dizer, ele declarou publicamente que, se eu vencesse, ele teria de acrescentar emoção às suas histórias. – Mesmo tendo dito em voz alta, no fundo Demi sabia que não era por isso. Ela havia lido os originais de Joe depois de ele ter ido embora, três vezes, esperando se perder na história e se esquecer da dor por causa de sua partida abrupta.
Ele havia chamado de rascunho cru. Ela chamava de brilhantismo puro. As emoções jorravam das páginas, entoavam uma mistura perfeita de ação e intensidade.
– Não – murmurou ela. – Não teve nada a ver com a aposta. Teve a ver comigo.
– Ai, meu Deus, você precisa parar com isso – gritou Miley, batendo as mãos na mesa. – Sério, por que você faz isso consigo?
Chocada, Demi parou de andar para encarar a amiga.
– Está tão paranoica com essa máscara, essa porção falsa de você, que não vai aceitar que foi tudo por sua causa. A professora Demetria Lovato, crítica literária sensual da televisão. – As palavras furiosas de Miley atingiram Demi como explosões. – Você não é essa impostora com meia dúzia de personalidades compartimentadas. Você é uma mulher inteligente que finalmente se permitiu utilizar as ferramentas, as vantagens que a maioria das mulheres usa. Maquiagem, produtos para cabelo, roupas decentes e ajustadas.
– Não estou paranoica... – Demi começou a dizer, mas Miley a interrompeu.
– Bobagem. Você acha que, só porque Joe viu você sem maquiagem, ele ficou todo grosseiro e fugiu? Não funciona assim, Demi. Se ele foi embora, foi por causa de outras coisas. Desculpe, mas foi. – A voz de Miley estava mais branda agora, quase reconfortante. – Você está dando crédito demais à transformação de visual. Tudo que ela fez por você foi lhe dar algumas ferramentas. Não mudou quem você é.
– Se não fosse pela transformação, Joseph Jonas nunca teria me notado. Nunca teria me procurando, nunca teria dormido comigo. – Nunca a teria feito se apaixonar por ele.
– Joe nunca tinha visto você antes daquele programa de TV, Demi. Ele respondeu à sua resenha. À sua crítica ao trabalho dele.
– Ele flertou, provocou, me desafiou. Ele criou aquelas apostas. Não teria feito isso se não fosse pela transformação – argumentou Demi, usando de seus piores medos para reforçar sua opinião.
– Joe não teria tido a oportunidade se não fosse pela transformação – concordou Miley. – A transformação deu a você a confiança para aceitar aquele trabalho na TV, para debater com ele e para se manter firme quando confrontada por um sujeito sensual por quem tinha uma quedinha de fã há anos.
– Você faz soar como se ele fosse ficar atraído por mim mesmo se me conhecesse como a Demi desarrumada no terninho de lã. – Ela revirou os olhos diante daquela ideia. Até parece. Joseph Jonas, o homem mais quente e sensual da Terra, atraído pelo desastre horrendo que ela era.
– Está certa. Ele não teria olhado duas vezes para você em sua versão desarrumada. – A concordância sem resistências de Miley surpreendeu Demi, considerando o rumo que ela pensava que a discussão estava tomando. Aquela não era para ser uma conversa para melhorar a autoestima dela? – Mas só porque você não se julgava digna de ser olhada.
– Hein? – Demi cruzou os braços, batendo o pé em agitação.
– Demi, você se escondia atrás de seu terno de lã. Você se destacava nos estudos porque esse era o esperado de você, só isso. Qualquer outra coisa teria sido um risco.
A loura levou o dedo à boca, então o deixou cair no colo. Ofereceu um olhar de solidariedade a Demi e deu de ombros.
– Talvez seja mais fácil ser invisível do que arriscar ser, bem... rejeitada?
Seu impulso imediato foi zombar e sugerir a Miley para voltar às aulas de psicologia. Em seguida ela estaria diagnosticando complexo de Édipo e recomendaria a Demi se reconectar à sua criança interior.
Mas ela não conseguia falar em meio ao aperto que sentia no peito. Lágrimas – aparentemente ela ainda possuía algumas – inundaram seus olhos.
Antes que ela pudesse surgir com uma resposta, o reitor entrou no escritório. Ela nunca havia ficado tão grata por ver o pai. Demi abriu a boca para cumprimentá-lo, porém ele simplesmente assentiu de forma distraída e continuou a seguir para seu escritório.
Invisível, mais uma vez.
– Não – disse ela, em voz alta. Ela olhou para Miley, que ostentava um olhar do tipo “bem, o que, diabos, você está esperando”. O que ela estava esperando? Por um milagre?
– Segure todas as ligações – disse à loura, quando seguiu o pai até seu refúgio sagrado.
– Você tem um minuto? – perguntou ela, por força do hábito, quando adentrou o escritório dele.
O olhar surpreso do reitor mudou rapidamente para impaciência.
– Demi? O que você está fazendo aqui? Algum problema?
O tom dele deixava bem claro que, se houvesse um problema, ele preferiria que ela resolvesse sozinha. Certo, tudo bem. Ela estava resolvendo. Embora seu lado muito bem-treinado quisesse se manter em paz com seu pai, afinal era o único jeito de conseguir a aprovação dele, o lado recém-capacitado se recusava a baixar a guarda.
– Preciso conversar com você – disse ela.
– Você verificou minha agenda com minha assistente?
– Estou aqui para conversar com você agora – corrigiu ela cautelosamente.
O suspiro dele foi pesado e carregado. Mas, em vez de se sentir culpada como de costume, ela só estava irritava. Ele era seu pai, droga. E, mais ainda, ele era seu chefe e, como uma funcionária valorizada, ela merecia respeito.
Empinando o queixo, Demi se sentou na cadeira oposta à dele, cruzando as pernas. O olhar de desaprovação dele para a calça jeans dela nem mesmo a intimidou.
– Muito bem – concordou ele. – O que posso fazer por você?
– Estou aqui para avisar que vou procurar o comitê de admissão esta semana e pretendo conseguir o cargo.
A surpresa aparentemente o deixou mudo, pois ele só a ficou encarando durante dez segundos inteiros. Será que ela nunca havia se imposto diante dele antes? Demi ficou envergonhada por constatar que, talvez, nunca houvesse mesmo.
– Eu já fiz minha recomendação – disse ele finalmente.
– E não sou eu.
– Eu recomendei a pessoa que considerei a mais adequada para servir a faculdade – respondeu vagamente.
Por que ele não depositava confiança nela? Demi balançou a cabeça, seu pensamento negativo atingindo-a bem no meio da cara. Era exatamente disso que Miley estava falando. Normalmente, quando suas opiniões ou qualificações eram questionadas, Demi se empenhava e, alegremente, provava seu valor. Mas, quando suas emoções estavam envolvidas, como acontecia com seu pai ou com Joe, bastava o menor revés e ela assumia estar falhando. Ou, se não estivesse de fato à altura, ela dava a situação como perdida e renunciava. Afinal de contas, ela se deu conta, era mais fácil se rejeitar antes que alguém mais o fizesse.
Mas não dessa vez. Com as palavras de Miley ressoando em sua cabeça, Demi vetou seu hábito automático de autorrejeição e se manteve firme. Se sua cabeça estava zunindo e sua boca estava seca, bem, ninguém mais precisava saber disso.
– Eu gostaria que você repensasse – disse ela, as palavras suaves, porém determinadas. – Eu não apenas melhorei meu currículo, como adquiri um número de habilidades que vão se encaixar bem ao novo cargo.
Se ela já o havia surpreendido, a nova afirmação ousada fez o pai ficar totalmente chocado. Os olhos castanhos, iguais aos dela, ficaram encarando. Então ele balançou a cabeça e soltou seu suspiro característico.
– Demi, você simplesmente não está pronta para o cargo. Tirando a experiência, sinto que é necessário certo nível de confiança para administrar o departamento. Idade, autoridade e autoconfiança, todos jogam contra você.
– Mas...
– Apresente sua candidatura esta semana e deixe o comitê decidir.
Ela rangeu os dentes. Sem o apoio do pai, Demi tinha apenas a aposta a seu favor. E, por mais que desejasse o cargo, ela o queria baseado em suas qualificações. Não por causa de um golpe publicitário bobo de Joe ou por causa de suas opiniões sobre alguns livros.
– Faz algum sentido aparecer na reunião do comitê se você já se decidiu? – perguntou ela, caindo de novo em seu velho padrão de não perseguir nada em que pudesse falhar.
– Talvez você devesse analisar por que fez essa pergunta – disse ele lentamente, as palavras obviamente escolhidas com cuidado. Aquilo fez Demi se lembrar de sua infância, do hábito do pai de ensinar uma lição fazendo perguntas de um modo que a obrigava a pensar na resposta. – O fato de ter perguntado reflete exatamente os motivos pelos quais não recomendei você para o cargo.
Com aquele olhar demorado e perscrutador, ele encerrou a conversa.
– Tenho uma reunião dentro de alguns minutos. Talvez possamos conversar sobre isso depois...?
Demi comprimiu os lábios trêmulos e assentiu. Remoendo as palavras do pai, ela saiu do escritório lentamente e voltou à recepção.
– Como foi? – perguntou Miley, obviamente tentando não se encolher.
– Ele já se comprometeu a apoiar outro candidato, então nada mudou de fato. – Miley expressou decepção. Demi deu de ombros como se não estivesse arrasada com o fato de o pai não ter fé nela. – Ele disse o mesmo que você, porém usando palavras diferentes.
Miley aguardou, dando a Demi tempo para conter as lágrimas e, assim, conseguir falar.
– Ele não acha que eu tenha confiança suficiente em mim para ser assistente adjunta. Ele quer alguém com personalidade mais autoritária para o cargo.
– Eu não queria magoar você – disse Miley baixinho. – Desculpe pelo que eu disse antes, está bem?
– Você se refere àquela coisa sobre rejeição?
Miley assentiu.
– Não se lamente. Enquanto conversava com meu pai, percebi que você estava certa. Essa transformação de visual me tirou da minha zona de conforto, me obrigou a enfrentar alguns problemas de autoconfiança. – Com uma careta, Demi se jogou na cadeira oposta a Miley. – Isso, porém, envolve mais do que fazer uma embalagem bonitinha. Eu preciso acreditar em mim também.
Miley abriu sua gaveta e, com um olhar furtivo para a porta do reitor, pegou um pacote de chocolate com nozes. Jogou bem no centro da mesa. As duas ficaram olhando o pacote por dez minutos. Demi pensava na gravidade daquela descoberta quando, com um suspiro, pegou três barrinhas.
– Dá para acreditar nisso? – perguntou Miley, enquanto abria uma barrinha.
– O fato é, acho que já acredito – respondeu Demi, com a boca cheia de paraíso em forma de chocolate. – Entendo a opinião do meu pai. Vou achar um jeito de corrigir esses problemas.
– Você ainda vai se candidatar ao cargo?
Um lado dela queria gritar “não”. Quem em estado de sã consciência o faria sabendo que não tinha chance? Mas quando ela ia sair da zona de conforto? Agora, aparentemente.
– Preciso – percebeu Demi. – Mesmo sabendo que eles não me consideram preparada, preciso me candidatar para ter chance. Eu sempre corri atrás do que já estava garantido. Sempre busquei o que era certo que conseguiria. É como você disse, eu preciso me arriscar a sofrer rejeição.
A ideia a apavorava tanto que ela pegou mais um chocolate. Será que sua frágil autoconfiança era forte o suficiente para aguentar? Enquanto Demi deixava o chocolate derreter em sua língua, ela percebia que, confiante ou não, precisava tomar uma posição.
– Então, a pergunta é – disse Miley alegremente, obviamente mudando de assunto enquanto limpava restos de chocolate dos dedos –, e Joe? Agora que você está pronta para assumir riscos e sabe que não tem a ver com o fato de você ser invisível, vai deixar essa pseudorrejeição abalá-la?
– Não, dane-se isso. Não sou invisível e ele não vai se livrar de mim tão facilmente. – Demi lambeu o chocolate do nó do dedo e pensou: – Vou precisar de algo supersexy para vestir. E uma máscara, acho.
Miley engasgou.
– Você vai mesmo para um baile erótico.
E por acaso havia um jeito menos visível de provar seu ponto de vista? Demi não conseguia pensar em mais nada. E, além disso, ela queria vencer a aposta paralela. Não por causa de seu espírito de competitividade, mas porque sabia que era sua única chance de conquistar o verdadeiro prêmio. O coração de Joe.
– Com certeza vou. Tenho uma aposta para vencer. E no processo vou mostrar a ele, em termos muito gráficos, exatamente tudo de que ele está fugindo. Se ele não aceitar meu “eu” verdadeiro, tudo bem. – Seria uma droga, ela ficaria emocionalmente arrasada, mas que assim fosse. Se ela perdesse, o faria sabendo que dera o melhor de si. – Mas, antes de pormos um fim nisso, ele vai saber o quanto a verdadeira Demi é incrível.


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Eu estou morrendo de dó da Demi, ela não consegue confiar em si mesma, e isso é um problema tão comum entre a maioria das meninas, infelizmente. :(
Mais tarde tem outro, beijos. 

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