1.3.15

Capítulo Quinze



Domingo, 28 de outubro de 2012
02h45

Eu me sento.
Foi um sonho.
Foi só um sonho.
Sinto meu coração batendo loucamente em todas as partes do meu corpo. Está batendo tão forte que consigo escutá-lo. Estou ofegante e toda suada.
Foi só um sonho.
Tento me convencer disso. Quero acreditar com todo o meu coração que a lembrança que acabei de ter não foi real. Não pode ser.
Mas é. Eu me lembro nitidamente, como se tivesse sido ontem. Toda vez que tenho me lembrado de alguma coisa nos últimos dias, uma nova memória aparece logo em seguida. Coisas que estava reprimindo, ou de que não me lembrava por ser nova demais, estão voltando com força total. Coisas que não quero lembrar. Coisas que preferia não saber.
Tiro as cobertas de cima de mim e estendo o braço para ligar o abajur. O quarto se acende, e dou um grito ao perceber que tem mais alguém na minha cama. Assim que o grito escapa, ele acorda e se levanta de repente.
— O que diabos está fazendo aqui? — sussurro alto.
Jonas olha para o relógio e esfrega os olhos com as palmas das mãos. Quando ele acorda o suficiente para reagir, põe a mão no meu joelho.
— Não fui capaz de deixá-la sozinha. Precisava garantir que estava bem. — Ele encosta no meu pescoço, bem abaixo da orelha, e alisa meu queixo com o polegar. — Seu coração — diz ele, sentindo meu pulso com as pontas dos dedos. — Você está com medo.
Vê-lo na minha cama, cuidando de mim como está fazendo agora... não tenho como ter raiva dele. Não posso culpá-lo. Quero sentir raiva, mas não consigo. Se ele não estivesse aqui comigo agora para me consolar após o que acabei de perceber, não sei o que faria. Ele não fez nada além de culpar a si próprio por todas as coisas que aconteceram comigo. Estou começando a aceitar que talvez ele precise de tanto consolo quanto eu. Por isso, deixo ele roubar mais um pedaço do meu coração. Seguro a mão que está no meu pescoço e a aperto.
— Jonas... eu me lembro. — Minha voz treme enquanto falo e sinto as lágrimas querendo cair. Engulo em seco e as contenho com toda a minha força.
Ele se aproxima de mim na cama e me vira para que eu fique totalmente de frente para ele. Ele põe as mãos no meu rosto e sustenta meu olhar.
— O que você lembra?
Sacudo a cabeça, sem querer contar. Ele não me solta e me convence com os olhos, balançando a cabeça com sutileza, garantindo que não tem problema algum eu contar. Sussurro o mais baixinho que posso, com medo de falar em voz alta.
— Era Dianna no carro. Foi ela. Foi ela que me levou.
Suas feições são tomadas pela aflição e aceitação, e ele me puxa para perto do seu peito, me abraçando.
— Eu sei, linda — diz ele no meu cabelo. — Eu sei.
Agarro sua camisa e me seguro nele, querendo nadar no consolo que seus braços fornecem. Fecho os olhos, mas só por um segundo. Ele me afasta assim que Dianna abre a porta do quarto.
— Demi?
Eu me viro na cama e a vejo na porta, fulminando Jonas. Ela desvia o olhar para mim.
— Demi? O que... o que está fazendo? — Confusão e desapontamento lhe encobrem o rosto.
Lanço um rápido olhar para Jonas.
— Me leve embora daqui — digo baixinho. — Por favor.
Ele concorda com a cabeça e vai até meu closet. Abre a porta enquanto me levanto, pego uma calça jeans na cômoda e a visto.
— Demi? — diz Dianna, observando nós dois da porta. Não olho para ela. Não consigo olhar para ela.
Ela dá alguns passos para dentro do quarto no instante em que Jonas abre uma bolsa de lona e a coloca na cama.
— Coloque algumas roupas aqui dentro. Vou pegar o que você precisa do banheiro. — O tom de voz está calmo e tranquilo, o que ameniza um pouco o pânico que percorre meu corpo. Vou até o closet e começo a puxar as camisas dos cabides.
— Você não vai a lugar algum com ele. Enlouqueceu? — A voz de Dianna está quase em pânico, mas mesmo assim não olho para ela.
Continuo jogando roupas na bolsa. Vou até a cômoda, abro a gaveta de cima e pego um monte de meias e roupas íntimas. Vou até a cama, mas Dianna me interrompe, pondo as mãos nos meus ombros e me forçando a olhar para ela.
— Demi — diz ela, atônita. — O que está fazendo? O que há de errado com você? Não vai embora com ele.
Jonas volta para o quarto com a mão cheia de produtos de higiene, passa direto por Dianna e coloca tudo na bolsa.
— Dianna, sugiro que você a solte — diz ele com o máximo de calma cabível em uma ameaça.
Dianna zomba de Jonas e se vira em sua direção.
— Você não vai levá-la. Se sair dessa casa com ela, chamo a polícia.
Jonas não responde. Olha para mim, pega as coisas na minha mão, vira-se e as coloca na bolsa antes de fechar o zíper.
— Está pronta? — pergunta ele, segurando minha mão.
Faço que sim com a cabeça.
— Não estou brincando! — grita Dianna. Lágrimas começam a lhe escorrer pelo rosto, e ela está bem agitada, olhando para nós dois alternadamente. Ver seu sofrimento quebra meu coração, porque ela é minha mãe e eu a amo, mas não posso ignorar o quanto estou furiosa e me sinto enganada devido aos últimos 13 anos da minha vida. — Vou ligar para a polícia — grita ela. — Você não tem o direito de levá-la!
Ponho a mão no bolso de Jonas, tiro o celular e dou um passo na direção de Dianna. Fito os olhos dela com o máximo de calma possível e estendo o telefone.
— Tome — digo. — Ligue.
Ela olha para o telefone nas minhas mãos e depois para mim.
— Por que está fazendo isso, Demi? — Agora ela está aos prantos.
Seguro sua mão e coloco ali o telefone, mas ela se recusa a segurá-lo.
— Ligue! Ligue para a polícia, mãe! Por favor. — Agora estou implorando. Implorando para ela ligar para a polícia, para provar que estou errada, provar que não tem nada a esconder, provar que eu não sou o que ela tem a esconder. — Por favor — repito baixinho. Todo o meu coração e minha alma querem que ela pegue o telefone e ligue para a polícia, pois assim vou saber que estou errada.
Ela dá um passo para trás na mesma hora em que inspira. Depois, começa a balançar a cabeça, e tenho quase certeza de que sabe que eu sei, mas não vou ficar aqui tempo suficiente para descobrir. Jonas segura minha mão e me leva até a janela aberta. Ele me deixa sair primeiro e depois me segue. Escuto Dianna chamando meu nome, mas só paro de andar quando chego no carro dele. Nós dois entramos, e vou embora com Jonas. Vou embora, deixando para trás a única família que conheci na vida.

Domingo, 28 de outubro de 2012
03h10

— Não podemos ficar aqui — diz ele, parando o carro em casa. — Dianna pode aparecer atrás de você. Vou entrar rapidinho para pegar algumas coisas e já volto.
Ele se inclina e puxa meu rosto para perto de si. Ele me beija e sai do carro. O tempo inteiro que passa dentro de casa, eu fico com a cabeça encostada no apoio do assento, olhando pela janela. Hoje não tem uma única estrela no céu para eu contar. Apenas relâmpagos. Parece apropriado para a noite que tive.
Jonas retorna ao carro vários minutos depois e joga a própria bolsa no banco de trás. Sua mãe está na entrada da casa, observando-o. Ele caminha até ela e segura seu rosto, assim como costuma fazer comigo, e diz alguma coisa, mas não sei o que é. Ela balança a cabeça e o abraça. Por fim, Jonas volta para o carro e entra.
— O que disse a ela?
Ele segura minha mão.
— Disse que você e sua mãe brigaram e que vou levá-la para a casa de um parente seu em Austin. Avisei que ficaria com meu pai alguns dias e que logo estaria de volta. — Ele olha para mim e sorri. — Está tudo bem, infelizmente ela já se acostumou comigo partindo. Não está preocupada.
Eu me viro e olho pela janela enquanto ele sai com o carro bem no instante em que a chuva começa a bater no para-brisa.
— A gente vai mesmo ficar com seu pai?
— Podemos ir para onde você quiser. Mas duvido que queira ir para Austin.
Olho para ele.
— Por que eu não ia querer ir para lá?
Ele aperta os lábios e liga os limpadores do para-brisa. Depois, põe a mão no meu joelho e faz um carinho com o dedo.
— Você é de lá — diz ele baixinho.
Volto a olhar pela janela e suspiro. Tem tantas coisas que não sei. Tantas. Pressiono a testa no vidro frio e fecho os olhos, permitindo que todas as perguntas reprimidas voltem à tona.
— Meu pai ainda está vivo? — pergunto.
— Está, sim.
— E minha mãe? Morreu mesmo quando eu tinha 3 anos?
Ele limpa a garganta.
— Sim. Num acidente de carro alguns meses antes de a gente se mudar para a casa ao lado da sua.
— Ele ainda mora na mesma casa?
— Mora.
— Quero ver essa casa. Quero ir até lá.
Ele não responde de imediato. Em vez disso, inspira lentamente e expira.
— Não acho uma boa ideia.
Eu me viro para ele.
— Por que não? É provável que eu pertença a essa casa mais que a qualquer outro lugar. Ele precisa saber que estou bem.
Jonas para o carro no acostamento. Ele se vira para mim com uma expressão não muito boa.
— Linda, não é uma boa ideia porque faz só algumas horas que você descobriu isso tudo. É muita coisa para você assimilar, e é melhor não tomar decisões precipitadas. Se seu pai a vir e a reconhecer, Dianna vai ser presa. Precisa pensar bastante nisso. Pense na mídia. Nos repórteres. Acredite em mim, Demi. Quando você desapareceu, ficaram instalados no seu jardim por meses. A polícia me entrevistou mais de vinte vezes no período de dois meses. Sua vida inteira está prestes a mudar independentemente do que decidir. Mas quero que decida sozinha o que achar melhor. Respondo qualquer pergunta que tiver. Levo-a para onde quiser daqui a alguns dias. Se quiser ver seu pai, é para lá que iremos. Se quiser ir à polícia, é isso que vamos fazer. Se preferir apenas fugir de tudo, é o que faremos. Mas, por enquanto, quero apenas que você comece a assimilar isso tudo. Essa é sua vida. O resto da sua vida.
Suas palavras me fazem sentir um aperto no peito como se fossem um torno. Não sei o que estava pensando. Não sei se estava pensando. Ele analisou a situação de várias perspectivas diferentes e não tenho ideia do que fazer. Não tenho nenhuma ideia, porra.
Escancaro a porta e saio para o acostamento, no meio da chuva. Fico andando de um lado para o outro, tentando me concentrar em alguma coisa para evitar a hiperventilação. Está frio, e o que cai do céu não é mais uma chuva qualquer, é um aguaceiro. Gotas enormes golpeiam minha pele, e não consigo manter os olhos abertos por causa do impacto. Assim que Jonas dá a volta no carro, vou depressa até ele e jogo os braços ao redor de seu pescoço, enterrando o rosto na sua camisa já encharcada.
— Não consigo fazer isso! — grito por cima do barulho da chuva atingindo o pavimento. — Não quero que minha vida seja assim!
Ele beija o topo da minha cabeça e se abaixa para falar ao meu ouvido.
— Também não quero que sua vida seja assim — diz ele. — Desculpe-me. Desculpe-me por ter deixado isso acontecer com você.
Ele desliza o dedo para baixo do meu queixo e me faz olhar para ele. Sua altura impede a chuva de atingir meus olhos, mas as gotas estão escorrendo pelo rosto dele, passando por cima dos lábios e descendo pelo pescoço. O cabelo está encharcado e grudado na testa, então afasto um fio dos olhos dele. Já está precisando de um novo corte.
— Não vamos deixar que essa seja sua vida hoje — diz ele. — Vamos voltar para o carro e fingir que estamos indo embora porque queremos... não porque precisamos. Podemos fingir que estou levando você a um lugar incrível... um lugar que sempre quis conhecer. Pode se aconchegar em mim e vamos conversando sobre o quanto estamos animados, falando sobre tudo que faremos quando chegarmos lá. Podemos deixar as coisas importantes para depois. Mas hoje... não vamos deixar que essa seja sua vida.
Puxo sua boca para a minha e o beijo. Eu o beijo por sempre saber exatamente o que dizer. Eu o beijo por sempre estar ao meu lado. Eu o beijo por apoiar qualquer que seja a decisão que eu talvez tenha de tomar. Eu o beijo por ser tão paciente comigo enquanto tento entender tudo. Eu o beijo porque não consigo pensar em nada melhor para fazer que voltar para dentro do carro com ele e conversar sobre tudo o que faremos quando chegarmos ao Havaí.
Separo minha boca da dele e, de alguma maneira, no meio do pior dia da minha vida, encontro forças para sorrir.
— Obrigada, Jonas. Mesmo. Não conseguiria passar por isso sem você.
Ele beija minha boca delicadamente mais uma vez e sorri de volta.
— Sim. Conseguiria, sim.

Domingo, 28 de outubro de 2012
07h50

Os dedos dele têm mexido lentamente no meu cabelo. Apoiei a cabeça em seu colo, e estamos dirigindo há mais de quatro horas. Ele desligou o telefone em Waco após receber mensagens desesperadas de Dianna, usando meu telefone, querendo que me levasse de volta para casa. O problema disso é o seguinte: nem sei mais onde é minha casa.
Por mais que eu ame Dianna, não faço ideia de como posso compreender o que fez. Não existe nenhuma situação no mundo que justifique o roubo de uma criança, então talvez jamais queira voltar para ela. Planejo descobrir o máximo possível sobre o que aconteceu antes de tomar qualquer decisão sobre o que fazer. Sei que a coisa certa seria ligar para a polícia imediatamente, mas nem sempre o correto é a melhor solução.
— Acho que a gente não devia ficar na casa do meu pai — diz Jonas. Tinha presumido que ele achava que eu estava dormindo, mas é óbvio que sabe que estou bem acordada. — Vamos ficar num hotel hoje e amanhã vemos o que fazer. Não saí da casa dele de maneira muito pacífica no verão, e não queremos mais drama.
Concordo com a cabeça apoiada em seu colo.
— Faça o que quiser. Só sei que preciso de uma cama, estou exausta. Nem sei como ainda consegue ficar acordado. — Eu me sento e estendo os braços na minha frente enquanto Jonas entra no estacionamento de um hotel.
Depois de fazer nosso check-in, ele me dá a chave do quarto e, em seguida, vai estacionar o carro e pegar nossas coisas. Deslizo a chave na fechadura eletrônica, abro a porta e entro no quarto. Só tem uma cama, como presumi. Já dormimos na mesma cama várias vezes, então seria bem mais estranho se tivesse pedido camas separadas.
Ele chega no quarto alguns minutos mais tarde e põe nossas bolsas no chão. Remexo na minha procurando alguma roupa para dormir. Infelizmente, não trouxe nenhum pijama, então pego uma camiseta comprida e roupas íntimas.
— Preciso de uma ducha.
Pego os poucos itens de higiene que trouxe, os levo para o banheiro e tomo um banho extremamente longo. Quando termino, tento secar o cabelo, mas estou cansada demais. Em vez disso, prendo-o num rabo de cavalo molhado e escovo os dentes. Quando saio do banheiro, Jonas está tirando as coisas de nossas malas e pendurando nossas camisas no armário. Ao olhar para mim, se espanta ao ver que estou só de camiseta e roupa íntima. Ele me observa por um segundo e desvia o olhar, constrangido. Está tentando me respeitar, considerando o dia que tive.
Não quero que me trate como se eu fosse frágil. Em qualquer outro dia, ele faria algum comentário sobre o que estou vestindo, e suas mãos não levariam dois segundos para agarrar minha bunda. Mas ele vira de costas para mim e tira as últimas coisas de dentro da bolsa.
— Vou tomar uma ducha rápida — avisa ele. — Enchi o balde de gelo e comprei algumas bebidas. Não sabia se ia preferir refrigerante ou água, então trouxe os dois. — Ele pega uma cueca boxer e passa por mim na direção do banheiro, tomando cuidado para não me olhar. Assim que passa ao meu lado, seguro seu pulso. Ele para e se vira, olhando-me cuidadosamente nos olhos, e em nenhum outro lugar.
— Pode me fazer um favor?
— Claro, linda — diz ele, com sinceridade.
Deslizo a mão na dele e a levo até a boca. Dou um leve beijo na palma e a encosto na minha bochecha.
— Sei que está preocupado comigo. Mas, se o que está acontecendo em minha vida faz com que se sinta constrangido com a atração por mim a ponto de não conseguir me olhar quando estou seminua, vai me magoar. Você é a única pessoa que sobrou em minha vida, Jonas. Por favor, não me trate de um jeito diferente.
Ele olha para mim propositadamente e afasta a mão de meu rosto. Seu olhar desce até meus lábios, e um pequeno sorriso se insinua no canto de sua boca.
— Está me dando permissão para admitir que continuo a desejando mesmo depois que sua vida virou uma merda?
Faço que sim com a cabeça.
— Saber que me deseja é mais necessário agora que antes de minha vida virar uma merda.
Ele sorri, leva os lábios até os meus, e sua mão acaricia minha cintura, chegando até a lombar. A outra mão está firme na parte de trás de minha cabeça, guiando-a enquanto me beija com intensidade. O beijo é justamente o que eu estava precisando. É a única coisa que me faria sentir algum bem num mundo onde só há coisas ruins.
— Preciso mesmo tomar uma ducha — diz ele entre nossos beijos. — Mas agora que tenho permissão para tratá-la do mesmo jeito... — Ele agarra minha bunda e me puxa para perto. — Não caia no sono enquanto eu estiver lá dentro, pois, quando sair, vou demonstrar o quanto a estou achando linda.
— Ótimo — sussurro na sua boca. Ele me solta e vai até o banheiro. Eu me deito na cama no instante em que escuto a água correr.
Tento ver televisão por um tempo, pois nunca tive a oportunidade de fazer isso, mas nada consegue prender minha atenção. Essas 24 horas foram bem desgastantes, o sol já nasceu, e nós ainda nem fomos dormir. Fecho as cortinas e as persianas, volto para a cama e tapo os olhos com um travesseiro. Assim que começo a pegar no sono, sinto Jonas se deitar ao meu lado. Ele desliza um braço por baixo do meu travesseiro e um por cima do meu corpo. Consigo sentir o peito quente em minhas costas e a força dos seus braços ao meu redor. Ele desliza as mãos entre as minhas e dá um beijo suave na parte de trás de minha cabeça.
— Eu gamo você — sussurro para ele.
Ele beija minha cabeça outra vez e suspira no meu cabelo.
— Acho que não gamo mais você. Tenho quase certeza de que já passei dessa fase. Na verdade, tenho certeza absoluta de que já passei dessa fase, mas ainda não estou pronto para dizer o que sinto. Quando eu disser, quero que seja em outro dia, não hoje. Não vou querer que você associe a lembrança ao dia de hoje.
Puxo a mão dele até minha boca e a beijo de leve.
— Nem eu.
E mais uma vez, no meu novo mundo cheio de mágoas e mentiras, esse caso perdido encontra uma maneira de me fazer sorrir.

Domingo, 28 de outubro de 2012
17h15

Dormimos durante o período do café da manhã e do almoço. De tarde, Jonas aparece com comida, e estou faminta. Faz mais de 24 horas que não como. Ele puxa duas cadeiras para perto da mesa e tira as comidas e bebidas das sacolas. Comprou exatamente o que eu disse que queria depois da exposição de ontem, quando não chegamos a comer. Tiro a tampa do milk-shake de chocolate e dou um grande gole, em seguida tiro a embalagem do cheeseburger. Ao fazer isso, um pequeno pedaço de papel cai em cima da mesa. Eu o pego e leio.
Só porque você não tem mais um telefone e sua vida é o maior drama não significa que eu queira que seu ego exploda. Você estava totalmente sem graça de camiseta e calcinha. Espero mesmo que compre um pijama de pezinho hoje, para que eu não precise mais passar a noite inteira vendo suas pernas de galinha.
Quando coloco o papel na mesa e olho para ele, vejo que está sorrindo para mim. Suas covinhas são tão encantadoras que dessa vez eu realmente me inclino e lambo uma delas.
— O que foi isso? — diz ele, rindo.
Mordo um pedaço do sanduíche e dou de ombros.
— Estava querendo fazer isso desde o dia em que o vi no mercado.
Ele abre um sorriso convencido e se encosta na cadeira.
— Você queria lamber meu rosto desde a primeira vez que me viu? É isso que costuma fazer quando está atraída por alguém?
Balanço a cabeça.
— Seu rosto, não, sua covinha. E não. Você é o único garoto que já tive vontade de lamber.
Ele sorri para mim com confiança.
— Ótimo. Pois você é a única garota que já tive vontade de amar.
Puta merda. Ele não disse que me amava diretamente, mas escutar essa palavra sair de sua boca faz meu coração se expandir dentro do peito. Dou uma mordida no cheeseburger para disfarçar meu sorriso e deixo a frase no ar. Não quero que desapareça ainda.
Terminamos de comer em silêncio. Eu me levanto, tiro as coisas da mesa, vou até a cama e calço os sapatos.
— Aonde você vai?
Ele está me observando amarrar os cadarços. Não respondo de imediato, pois não tenho certeza do local aonde vou. Só quero sair desse quarto de hotel. Depois de amarrar os sapatos, me levanto, vou até ele e lhe dou um abraço.
— Quero dar uma caminhada — digo. — E quero que vá comigo. Estou pronta para começar a fazer perguntas.
Ele beija minha testa, estende o braço e pega a chave do quarto na mesa.
— Então vamos. — Ele abaixa o braço esticado e entrelaça meus dedos nos dele.
Nosso hotel não fica perto de nenhum parque ou trilha, então acabamos indo para o pátio. Há vários lugares para nos sentarmos ao redor da piscina, todos vazios, e ele me leva para um deles. Nós nos sentamos e encosto a cabeça no ombro dele, olhando para a piscina. Estamos em outubro, mas o clima está bem ameno. Puxo os braços pelas mangas da camisa e me abraço, aconchegando-me nele.
— Quer que eu conte o que lembro? — pergunta ele. — Ou tem perguntas específicas?
— Os dois. Mas primeiro quero ouvir sua história.
Seu braço está por cima dos meus ombros. Os dedos acariciam a parte superior do meu braço, e ele beija minha têmpora. Não importa quantas vezes faça isso, sempre parece que é a primeira.
— Você tem de entender o quanto isso é surreal pra mim, Demi. Pensei no que aconteceu com você todos os dias dos últimos 13 anos. E quando penso que estava morando a 3 quilômetros de distância há sete anos? Eu mesmo ainda acho difícil assimilar isso tudo. E agora, finalmente posso ter você ao meu lado e contar tudo o que aconteceu...
Ele suspira, e sinto sua cabeça se encostar na cadeira. Jonas para por um breve momento e então prossegue:
— Depois que o carro foi embora, entrei em casa e contei para Less que a vi indo embora com alguma pessoa. Ela ficou me perguntando com quem, mas eu não sabia responder. Minha mãe estava na cozinha, então fui até ela e contei. Ela não prestou muita atenção em mim. Estava fazendo o jantar, e éramos apenas crianças. Minha mãe tinha aprendido a não prestar muita atenção em nós. Além disso, eu ainda não sabia se tinha mesmo acontecido alguma coisa que não devia, então não estava em pânico nem nada. Ela só me mandou ir lá fora brincar com Less. Sua tranquilidade me fez pensar que estava tudo bem. Com 6 anos, tinha certeza de que os adultos sabiam de tudo, então não toquei mais no assunto. Less e eu fomos brincar do lado de fora, e mais algumas horas se passaram até seu pai sair de casa, chamando você. Assim que o ouvi chamando seu nome, fiquei paralisado. Parei no meio do jardim e fiquei observando-o no pórtico, chamando você. Foi naquele instante que percebi que ele não fazia ideia de que você tinha ido embora com outra pessoa.
Percebi que tinha feito algo de errado.
— Jonas — interrompo. — Você era apenas um garotinho.
Ele ignora meu comentário e continua:
— Seu pai veio até nosso jardim e me perguntou se eu sabia onde você estava.
Ele faz uma pausa e limpa a garganta. Espero pacientemente que prossiga, mas parece que ele precisa se concentrar. Ouvi-lo contar o que aconteceu naquele dia parece mais como se escutasse uma história. Não parece de jeito nenhum que o que ele está dizendo tem a ver com minha vida ou comigo.
— Demi, você precisa entender uma coisa. Eu tinha medo do seu pai. Mal completara 6 anos, mas sabia que tinha feito algo terrivelmente errado ao deixá-la sozinha. Então seu pai chefe de polícia estava em pé ao meu lado, com a arma aparecendo por cima da farda. Entrei em pânico. Corri para dentro de casa, direto para meu quarto e tranquei a porta. Ele e minha mãe passaram meia hora batendo, mas estava assustado demais para abri-la e admitir que sabia o que tinha acontecido. Minha reação deixou os dois preocupados, então na mesma hora ele chamou reforços pelo rádio. Quando escutei as viaturas chegando, achei que tinham ido me buscar. Ainda não conseguia entender o que tinha acontecido com você. Quando minha mãe conseguiu me tirar do quarto, três horas já haviam se passado desde que você fora embora no carro.
Ele ainda está massageando meu ombro, mas agora com mais firmeza. Passo os braços pelas mangas da camisa para poder segurar sua mão.
— Fui levado para a delegacia e ficaram me interrogando durante horas. Queriam saber se tinha reparado na placa, no modelo do carro, como era a pessoa, o que tinha dito a você. Demi, eu não sabia de nada. Não conseguia me lembrar nem da cor do carro. Tudo que soube dizer com precisão era o que você estava vestindo, pois a única coisa que conseguia visualizar era você. Seu pai ficou furioso comigo. Escutei seus gritos no corredor da delegacia, dizendo que, se eu tivesse avisado alguém imediatamente do que tinha acontecido, eles a teriam encontrado. Ele me culpou. Quando um policial culpa alguém pelo desaparecimento da filha, a pessoa tende a acreditar que ele sabe do que está falando. Less também escutou os gritos, então também ficou achando que a culpa era minha. Passou dias sem nem falar comigo. Nós dois estávamos tentando entender o que tinha acontecido. Por seis anos tínhamos vivido num mundo perfeito, onde os adultos sempre tinham razão e onde coisas ruins não aconteciam com pessoas boas. Então, num único minuto, você foi levada, e tudo que achávamos que sabíamos acabou se transformando numa imagem falsa da vida que nossos pais tinham construído para nós. Percebemos naquele dia que até os adultos fazem coisas terríveis. Crianças desaparecem. Melhores amigas são levadas embora, e quem fica para trás não sabe nem se continua viva.
“Nós ficávamos vendo o noticiário o tempo inteiro, esperando informações. Sua foto ficou aparecendo na televisão por semanas. A foto mais recente que tinham de você era de logo antes de sua mãe morrer, quando tinha apenas 3 anos. Eu me lembro de ficar furioso com aquilo, me perguntando como é que quase dois anos tinham se passado sem que alguém tirasse uma foto sua. Eles mostravam fotos da sua casa e, às vezes, da nossa também. De vez em quando, mencionavam o garoto que era seu vizinho e tinha visto o que aconteceu, mas que não se lembrava de nenhum detalhe. Eu me lembro de uma noite... a última noite em que minha mãe deixou a gente ver a cobertura na televisão... um dos repórteres mostrou nossas casas. Eles mencionaram a única testemunha, mas se referiram a mim como “O garoto que perdeu Hope”. Aquilo deixou minha mãe tão brava, que a fez correr lá para fora e começou a berrar com os repórteres, gritando para que nos deixassem em paz. Para que me deixassem em paz. Meu pai precisou arrastá-la para dentro de casa.
“Meus pais fizeram o possível para nossas vidas voltarem ao normal. Após alguns meses, os repórteres pararam de aparecer. As várias idas à delegacia para mais perguntas finalmente acabaram. Aos poucos, as coisas começaram a voltar ao normal para toda a vizinhança. Para todo mundo, menos Less e eu. Era como se toda nossa esperança tivesse sido levada junto com nossa Hope.”
Escutar as palavras e a desolação em sua voz me fazem sentir culpada. Seria de se esperar que o trauma do que aconteceu comigo afetasse mais a mim mesma que as pessoas ao meu redor. No entanto, mal consigo me lembrar daquilo. Na minha vida não foi um acontecimento muito especial, mas foi algo que praticamente arruinou Jonas e Lessie. Dianna era calma e agradável, e encheu minha cabeça com mentiras sobre adoção e famílias de acolhimento, coisas que nunca questionei. Como Jonas disse, com aquela idade a criança acredita que os adultos são tão honestos e confiáveis que questioná-los nem passa pela cabeça.
— Passei tantos anos odiando meu pai por ter desistido de mim — digo baixinho. — Não acredito que ela simplesmente me tirou dele. Como foi capaz de fazer isso? Como é que alguém pode ser capaz de fazer isso?
— Não sei, linda.
Endireito a postura e me viro para encará-lo nos olhos.
— Preciso ver a casa — digo. — Quero mais lembranças, mas não tenho nenhuma porque agora está difícil de lembrar. Não consigo me lembrar de quase nada, muito menos dele. Só quero passar por lá de carro. Preciso vê-la.
Ele massageia meu braço e concorda com a cabeça.
— Agora?
— Sim. Quero ir antes que escureça.
Passo o caminho inteiro em silêncio. Minha garganta está seca e sinto o maior frio na barriga. Estou com medo. Com medo de ver a casa. Com medo de que ele esteja lá e eu acabe vendo meu pai. Não quero vê-lo ainda; só quero ver meu primeiro lar. Não sei se isso vai me ajudar a lembrar, mas sei que preciso fazer isso.
Ele desacelera o carro e para no meio-fio. Fico observando a fileira de casas do outro lado da rua, com medo de desviar o olhar da minha janela, pois é tão difícil me virar e encarar.
— Chegamos — diz ele baixinho. — Parece que não tem ninguém em casa.
Viro a cabeça devagar e olho pela janela para a primeira casa onde morei. É tarde, e o dia está sendo engolido pela noite, mas o céu continua claro o suficiente para eu poder enxergar a casa. Parece familiar, mas vê-la não traz nenhuma lembrança de imediato. A casa é marrom-claro, com detalhes mais escuros, mas as cores não me parecem nada familiares. Como se Jonas tivesse lido minha mente, diz:
— Antes era branca.
Eu me viro no banco e fico de frente para a casa, tentando me lembrar de alguma coisa. Tento me imaginar entrando pela porta e vendo a sala, mas não consigo. É como se tudo sobre aquela casa e aquela vida tivesse sido apagado da minha mente por alguma razão.
— Como consigo me lembrar da sua sala e da sua cozinha e das minhas não?
Ele não me responde, pois é mais do que provável que ele saiba que não estou querendo uma resposta. Ele só coloca a mão em cima da minha, segurando-a enquanto ficamos olhando para as casas que alteraram os rumos das nossas vidas para sempre.

Treze anos antes

— Seu papai vai dar uma festa de aniversário para você? — pergunta Lessie.
Balanço a cabeça.
— Não tenho festas de aniversário.
Lessie franze o rosto, senta-se na minha cama e pega uma caixa desembrulhada que está no meu travesseiro.
— Este é seu presente de aniversário? — pergunta ela.
Pego a caixa da mão dela e a coloco de volta no travesseiro.
— Não. Meu papai compra presentes para mim o tempo inteiro.
— Você vai abrir? — pergunta ela.
Balanço a cabeça novamente.
— Não. Não quero.
Ela une as mãos no colo, suspira e dá uma olhada no quarto.
— Você tem vários brinquedos. Por que a gente nunca vem brincar aqui? A gente sempre vai para minha casa, e lá é chato.
Eu me sento no chão e pego meus tênis para calçá-los. Não conto que odeio meu quarto. Não conto que odeio minha casa. Não conto que sempre vamos para a casa dela porque lá me sinto mais segura. Enrosco o cadarço entre os dedos e me aproximo dela na cama.
— Você sabe amarrar?
Ela pega meu pé e o apoia em cima do joelho.
— Hope, você precisa aprender a amarrar seus sapatos. Eu e Joe aprendemos a amarrar quando tínhamos 5 anos. — Ela se acomoda no chão e se senta na minha frente. — Preste atenção — diz ela. — Está vendo esse cordão? Estenda-o assim.
Ela põe os cordões nas minhas mãos e me mostra como mexê-los e puxá-los até que fiquem amarrados como deveriam. Após me ajudar a amarrar os dois, ela os desamarra e diz para eu fazer tudo de novo sozinha. Tento me lembrar do que ela ensinou. Ela se levanta e vai até a cômoda enquanto faço meu melhor para formar um laço com o cadarço.
— Essa era sua mãe? — pergunta ela, me mostrando uma foto. Olho para a foto e depois volto o olhar para meus sapatos.
— Era.
— Você tem saudades dela?
Faço sim que com a cabeça e continuo tentando amarrar o sapato e não pensar no quanto sinto falta dela. Sinto muitas saudades.
— Hope, você conseguiu! — grita Lessie. Ela se senta outra vez no chão na minha frente e me abraça. — Você conseguiu sozinha. Agora já sabe amarrar os sapatos.
Olho para meus sapatos e sorrio.

*****

Não consegui postar ontem porque não passei o fim de semana em casa, me desculpem. Mas resolvi vir deixar um capítulo aqui pra vocês antes de dormir
Eu fiquei muito animada com os comentários, sabendo que vocês ficaram verdadeiramente surpresas, já que vocês sempre descobrem antes asjoiajs
Cade a Lua, a Vi, a Lav (que sumiu faz meses :()? Se vocês tiverem lendo, saudades :'(
Se cuidem amores, beijos, love u

9 comentários:

  1. MEU DEUS! Eu realmente não sei o que falar!
    A Demi, finalmente descobriu a verdade!
    Eu achei tão fofo o Joe, cuidando da Demi
    Espero que ela se lembre de alguma coisa
    Posta logo meu anjo
    Beijos e eu amo você! :-D

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  2. Tá perfeito <3
    Cada vez mais fico ansiosa pro próximo capitulo, para a próxima lembrança do Joe e da Demi , pra ler mais !!!!!
    Posta mais logo !
    Bjs

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  3. mulher essa fic ñ cansa de me surpreender, to adorando posta logo Bjs

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  4. Ai eu quero mais!! Joe tao cute cuidando da Demi!! So que eu quero um hot, um nao vaaaarios Kkkk Tbm quero uma maratona Dona Giovanna! Capitulo lindooo

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  5. Voltei!!!! Ufa até que enfim consegui colocar a leitura em dia....... eu estava com dengue e fiquei fora de órbita.... eita mosquito mauditooo.......... Quanto a história, estou amando...... tenho certeza que o pai da Demi é do mau......... quero ver a reação dela quando encontrar com ele..... continua....

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  6. Cada dia eu morro mais com um capítulo, tadinha da Demi.
    Tomara que ela encontre o Pai e sei lá, resolva tudo isso.
    Continua, beijos :*

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  7. Tá ficando tudo mais intenso , as lembranças e respostas estão vindo à tona (finalmente kkkkkkkk)
    Mas eu to amando tanto essa história <3
    Não demore p postar
    Bjs

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  8. Hey, você vai demorar muito pra postar ? Estou tão curiosa q n agüento mais esperar para o próximo capitulo ! Kkkkkkkkkkk
    Estou adorando tudo <3
    Desculpe não ter comentado muito no últimos capitulos !!
    Posta mais
    Bjs

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  9. Obviamente o pai dela abusava sexualmente dela.

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